sábado, 14 de dezembro de 2013

Agrinez Melo no Reino Mágico dos Figurinos


Com enorme prazer, o La Buarque traz hoje uma entrevista exclusiva com uma figurinista que está dando o que falar na cena teatral pernambucana, Agrinez Melo

Formada em Artes Cênicas pela UFPE, Agrinez  é o que se pode dizer de uma mulher/mãe multi artista: atriz, produtora, professora, figurinista e light designer, ela ainda reserva tempo para costurar, cuidar do filho adolescente, pesquisar tudo relacionado a teatro e estudar inglês. 

Vamos descobrir como ela consegue dar conta de tudo isso e como iniciou sua carreira.

Agrinez usando uma de suas criações. Confeccionada por ela mesma. 

Quando começou a se interessar por moda e figurino?

Essa história é bem longa, mas vou tentar resumir. Sempre fui muito amostrada (risos), queria ser chacrete, declamava poesia, imitava Xuxa, dançava na escola e desfilava coberta com lençóis, que na minha imaginação eram vestidos longos e de alta costura. Já em relação a costura, quando era criança, via minha mãe se esforçando para aprender a costurar sozinha em casa, comprou do dinheiro da venda dos quitutes uma máquina usada que existe até hoje. Ela se dividia entre os afazeres domésticos, as vendas de quitutes e as tentativas na costura, lhe vi chorar muitas vezes porque muitos testes não davam certo. Lembro de minha aflição, quando ela chorava. Sugeria para ela parar de costurar e ela sabiamente dizia "Não meu pintinho, não tenho condições de comprar roupa para vocês,vou aprender a costurar para deixar você e suas irmãs bonitas". Lembro de frases  sabias como essa.

Aos 9 anos de idade, passamos eu e minhas irmãs (02) por uma crise financeira e conjugal na família bem marcante, não tínhamos dinheiro para quase nada e meus pais não se afinavam, por isso tive a sábia ideia de ficar rica (risos). Eu comecei a juntar os retalhos de tecidos que sobravam da costura de minha mãe e fazer roupa de bonecas a mão e vender às amiguinhas da vizinhança, com isso não fiquei rica, mas garantia o lanche da escola (broa, bolo de bacia, pão doce, biscoito maria, tareco e suco muitas vezes de goiaba ou laranja - risos - comia esse lanche como se fosse um banquete, porque era resultado de meu divertido suor). 

Na adolescência, minha mãe já costurava bem e eu não queria me vestir igual as minhas amigas. Desenhava minhas roupas (não desenhava muito bem, mas era entendível. Na verdade ate hoje não sou uma eximia desenhista, por isso meus croquis tem muito de colagem e costura em miniatura), comprava os tecidos e minha mãe costurava. Com 16 anos fui procurar uma agência de moda para desfilar, desfilei dos 16 aos 26 anos. Vi muita coisa, conheci muita gente e pude experimentar um pouco dessa realidade.

Nesse tempo passei no vestibular e entre Artes Cênicas, Letras e Assistência Social, resolvi fazer Artes Cênicas, queria ser atriz global (risos) mas entrei num curso de Licenciatura em Teatro onde a formação era para Professor de Teatro. Me apaixonei pelo curso. Foi lá que me encontrei com a disciplina de Figurino e me apaixonei ainda mais pelo universo da roupa, dessa vez roupa para teatro. O que me fascinava e me fascina ainda hoje é o fato de poder transformar as vestimentas. Um vestido no teatro não é só um vestido, caracteriza uma personalidade, uma época, se transforma em outras peças de roupa, esconde objetos, surpreende. Amo o que faço e me descobri feliz com isso.

 Agrinez usando uma de suas criações. Confeccionada por ela mesma. 

Quais os trabalhos mais importante?

É bem difícil falar isso, quando penso num figurino, penso num todo, e me apaixono com as possibilidades geradas por ele. Não tenho uma longa história com figurino, profissionalmente comecei em 2008, com o figurino do espetáculo Cordel do Amor Sem Fim, com esse figurino fui indicada duas vezes ao Prêmio de Melhor Figurino e me surpreendi com as indicações. Posso dizer que o figurino do Cordel é meu primogênito, foi minha porta de entrada para outros convites. Mas posso citar aqui o figurino do espetáculo Minha Cidade, que é simples e bonito, flutuei com os comentários de uma curadora de Curitiba "O figurino é simples e encantador, conversa com todos os elementos da encenação", disse ela; o do espetáculo Brincadeira e Natureza que tem a minha estética pessoal nas cores e costuras. O figurino do Alfaiate de Livros, esse foi marcante porque foi o primeiro figurino costurado por mim, criei e depois executei. Costumo dizer que vi o figurino dançando, complementando os movimentos do bailarino. Fiquei muito feliz. 


No momento, meus sonhos são povoados por texturas, volumes, cores e formas do figurino de Anjo Negro, espetáculo produzido por meu grupo de teatro O Poste Soluções Luminosas que estreia em Janeiro e que meu coração já anda acelerado, porque irei costurar algumas peças desse figurino e começar a experimentar técnicas de tingimento existentes e outras inventadas/recriadas por mim.

 Figurinos do espetáculo Brincadeira e Natureza no Jardim das Borboletas

Onde estudou moda ou figurino?

Como disse anteriormente, meu contato com figurino foi na UFPE, nunca fiz curso de moda, tentei fazer uma especialização, mas era muito cara para mim na época. Anos depois fui para o SENAC aprender a costurar, atualmente estou começando a aparecer nos desfiles de moda e me inteirando dos avanços nesse ramo (mercado, pessoas... ). Ainda não desisti de estudar moda, acho que isso irá ajudar na minha formação e no meu trabalho. Penso num mestrado e relacioná-lo com minha pesquisa com roupa, mas ainda estou amadurecendo a ideia.

Figurinos do espetáculo Brincadeira e Natureza no Jardim das Borboletas

Quando começou a costurar roupas para si mesma? E já criou roupas para outras pessoas?

Minha mãe adoeceu e não pôde mais costurar para mim e acho que desde 2004 invento, customizo minhas roupas, não sabia costurar na máquina e costurava na mão mesmo, mas na máquina faz um ano e meio. Já criei roupas para alguns amigos e, ultimamente, ando fazendo isso com mais frequência. Geralmente um amigo me liga e me diz o que tá pensando, eu desenho e executo, mas esse processo ainda tá no inicio.

 Croquis dos Figurinos de Brincadeira e Natureza no Jardim das Borboletas e Cordel do Amor Sem Fim

Quem são suas inspirações?

Minha mãe, que sempre teve muito bom gosto (risos). Mas tenho uma paixão grande por Coco Chanel, Alexander Mcqueen, Zuzu Angel, Eduardo Ferreira... Sou fortemente influenciada pelo poder de superação dessas pessoas e pela força que elas representam e representaram na história da roupa e do meio em que viveram e vivem.

Que dicas você daria para quem quer começar a trabalhar com moda e figurino?

Estudar muito, pesquisar, ver imagens, ir aos lugares onde a roupa seja meio de inspiração, experimentar sem medo de errar, e persistir.
 
 Croquis dos Figurinos de Cordel do Amor Sem Fim e Brincadeira e Natureza no Jardim das Borboletas 

Quais são os próximos projetos? Quais os sonhos a serem realizados? Deseja abrir uma grife ou entrar em parceria com alguma já existente? 

Em 2014 estrearemos além de Anjo Negro, o espetáculo Ombela. Já começo a sonhar com as formas desse figurino. Também estou numa parceria linda com dois amigos e em breve terá o figurino de Lady Macbeth. Pretendo em 2014 realizar e lecionar alguns cursos de formação na área de figurino.

Para falar em sonhos, tenho muitos, mas profissionalmente, montar minha grife é um deles ou entrar em parceria com alguma grife onde possa introduzir minha forma de pensar a roupa que estará intimamente associada com a vestimenta teatral, seja nas cores, na transformação do tecido, ou na possibilidade da roupa se transformar em varias outras. Também quero, em 2014, me preparar para uma possível Pós graduação.

Croquis dos figurinos do espetáculo Cordel do Amor Sem Fim

Como é a criação dos seus figurinos? Onde se inspira e qual o conceito?

Quando crio um figurino,  mergulho nele, respiro ele e procuro associá-lo ao momento e a concepção da encenação. Para mim, por mais diferente que seja o figurino, deve ter uma unidade com os outros elementos da encenação.

Para criar o figurino do Cordel, mergulhei nas pesquisas em antropologia da formação ritualística do homem e sua relação com a atualidade, para isso trouxe características dos elementos (terra, fogo, água e ar) e sua relação com os Orixás e com a cultura popular do Nordeste.

Para o figurino de Minha Cidade, como a proposta era a construção da cidade a partir da ótica das crianças, e o cenário era inspirado em brinquedos de madeira antigos que serviam para construir formas, peguei esse mote e pensei em vestir os personagens em macacões de operários utilizando tecido amadeirado e que brincasse com as cores do cenário, sem perder a ludicidade.

Para o Alfaiate de livros, um espetáculo de dança autobiográfico, onde o bailarino homenageia o pai, mergulhei um pouco na história da escrita e me deparei com uma roupa leve mas influenciada com as formas geométricas das letras, alem de um corte de tecido que lembra um pouco a vestimenta pré-histórica egípcia. A ideia era um bailarino que vestisse sua história literária.

Brincadeira e Natureza no Jardim das Borboletas fala da preservação do meio ambiente e tem muita coisa feita de sucata, esse foi um espetáculo com poucos recursos e muito das roupas já existia, o que fiz foi dar um tom de diversão ao figurino e brincar um pouco com os retalhos de tecidos, tingimentos e ninhavos. A roupa dos sapos desse espetáculo foi uma verdadeira mágica de tingimento (risos). 

Texto Mila Buarque
Edição de Imagens Marcos Fernandes
Fotografias Otávio Bastos, Helena Dulci, Renata Pires, Eliz Galvão, Diogo Lopes
Agradecimento Agrinez Melo

Um comentário:

  1. Muito legal a entrevista com esta artista plural que é Agrinez Melo. Sucesso à iniciativa do blog e à estilista/figurinista.

    ResponderExcluir

Nós da La Buarque ficamos super gratos à sua contribuição. Seus comentários e críticas são bem vindos! Obrigada